Há um caminhão de mães esperando na janela, insones, que seus
filhos voltem. Há um mundaréu de adultos procurando seus pais verdadeiros,
chorando ao rever a fachada da casa de sua infância. Há pais que nem se sabem,
crianças sobrando enquanto casais desesperados tentam a fertilização in vitro.
Sobram, no mundo, abraços infantis, faltam colos, faltam mimos,
bebês ficam à mercê das leis nas maternidades enquanto mães verdadeiras levam
para casa cicatrizes ainda úmidas de sangue, mãos vazias, casa sem berço,
coração sem culpa, impotências. Há casais sem casa, maridos sem empregos. Uma
pessoa sai de dentro da outra e isso não garante o laço.
Mulheres e homens maduros estão parados em frente a casas, a
túmulos, ou porta-retratos, tão órfãos quanto bebês abandonados no berçário
enquanto a que pariu parte sem deixar pistas, rastros, migalhas de pão na
floresta, nada que reconduza o filho um dia, que o ajude a refazer o caminho de
volta, o reconhecimento, a linhagem, os labirintos do parentesco, e há laços de
sangue nós de marinheiro inventados e fortalecidos pela convivência diária,
pela escolha sem umbigos, pelo desejo de ter um filho, seja ele fruto de uma
paixão, de uma noite, de um casamento ou de um amor desesperado e materno
pulsando no coração de uma mãe verdadeira que não deu à luz mas procura seu
filho legítimo deixado por outra em algum lugar onde poderá pegá-lo nos braços
e levá-lo para a casa onde o berço espera embora a barriga nunca tenha sabido
disso.
Há muito mais: guerras que nos separam, pessoas desaparecidas,
outdoors com fotos de crianças perdidas, salas de aborto,
ninhadas. Nesse exato momento
há uma mãe que chora, um pai que vai embora, um
bebê que nasce morto, um avô velhinho que mata a família inteira de saudades
quando morre, um parente que é o único que visita, um idoso sem memória
esquecido num abrigo esperando um prato de comida, uma colher que lhe chegue à
boca como papa para meninos pequenos, e uma legião de voluntários emocionados
com tantos beijos, gotas de mel no mar de areia salgada, na imensidão do mar de
areia salgada onde somos todos grãozinhos.
Há olhos idênticos que nunca se viram, irmãos
que não se parecem, famílias inteiras que desaparecem. Criança é milagre e
entulho. Refugo,
refúgio, fuga, carência, amor de mãe desmedido, incondicional, sufocante. Um filho é um sonho, é vida na
essência mais pura, é prova de existência, semente. Quero dar um colo, do
tamanho do continente.
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