Finita como flores

23 de fev. de 2014

UM CAMINHÃO DE MÃES


Há um caminhão de mães esperando na janela, insones, que seus filhos voltem. Há um mundaréu de adultos procurando seus pais verdadeiros, chorando ao rever a fachada da casa de sua infância. Há pais que nem se sabem, crianças sobrando enquanto casais desesperados tentam a fertilização in vitro.
Sobram, no mundo, abraços infantis, faltam colos, faltam mimos, bebês ficam à mercê das leis nas maternidades enquanto mães verdadeiras levam para casa cicatrizes ainda úmidas de sangue, mãos vazias, casa sem berço, coração sem culpa, impotências. Há casais sem casa, maridos sem empregos. Uma pessoa sai de dentro da outra e isso não garante o laço.
Mulheres e homens maduros estão parados em frente a casas, a túmulos, ou porta-retratos, tão órfãos quanto bebês abandonados no berçário enquanto a que pariu parte sem deixar pistas, rastros, migalhas de pão na floresta, nada que reconduza o filho um dia, que o ajude a refazer o caminho de volta, o reconhecimento, a linhagem, os labirintos do parentesco, e há laços de sangue nós de marinheiro inventados e fortalecidos pela convivência diária, pela escolha sem umbigos, pelo desejo de ter um filho, seja ele fruto de uma paixão, de uma noite, de um casamento ou de um amor desesperado e materno pulsando no coração de uma mãe verdadeira que não deu à luz mas procura seu filho legítimo deixado por outra em algum lugar onde poderá pegá-lo nos braços e levá-lo para a casa onde o berço espera embora a barriga nunca tenha sabido disso.
Há muito mais: guerras que nos separam, pessoas desaparecidas, outdoors com  fotos  de crianças  perdidas, salas  de  aborto,  ninhadas. Nesse  exato  momento  há  uma mãe que chora, um pai que vai embora, um bebê que nasce morto, um avô velhinho que mata a família inteira de saudades quando morre, um parente que é o único que visita, um idoso sem memória esquecido num abrigo esperando um prato de comida, uma colher que lhe chegue à boca como papa para meninos pequenos, e uma legião de voluntários emocionados com tantos beijos, gotas de mel no mar de areia salgada, na imensidão do mar de areia salgada onde somos todos grãozinhos.
Há olhos idênticos que nunca se viram, irmãos que não se parecem, famílias inteiras que desaparecem. Criança é milagre e entulho. Refugo, refúgio, fuga, carência, amor de mãe desmedido, incondicional,  sufocante. Um filho é um sonho, é vida na essência mais pura, é prova de existência, semente. Quero dar um colo, do tamanho do continente.



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