Finita como flores

18 de jul. de 2010

Bula do amor

PÂNICO? DOIDO É QUEM NÃO TEM
Desde que decidiu abolir os remedinhos, o pânico cravou as unhas bicudas em seu coração. Tentou segurar a onda como um surfista louco. Tentou segurar a barra como um halterofilista desequilibrado, e equilibrar-se na corda bamba como um equilibrista bêbado. Sabia que do chão não passaria e sabia muito bem. Mudou de ideia e medicou-se porque o mar não tá pra peixe, acabou-se o que era doce e é melhor um comprimido na mão do que dois pássaros negros voando muito além. Pânico? Doido é quem não tem.

PESADELOS RECORRENTES NÃO RECICLÁVEIS
Esvaziar o armário triplex da memória e comprar tudo novo na loja do futuro. Junto, tudo que não mais serei, dobrado numa sacola plástica e doado a alguém bem jovem que esteja precisando de esperanças manequim 42. Junto, tudo que não espero mais e que de tanto esperar quase se gruda em mim como uma pinta. Encher os armários com desejos novos, sonhos inéditos, e jogar no lixo os pesadelos recorrentes não recicláveis. Não carregar o passado como uma mala de rodinhas. Quero um futuro, rebatizar-me. Amnésia. Com tanto espaço liberado no HD da memória afetiva, lembrarei, de cor e salteado, todos os filmes que vi na vida e seus nomes, personagens e atores, tudo na ponta da língua, armando beijos triplex futuristas.

Trauma é quando a gente apanha muito num mesmo lugar. Trauma é sofrimento repetido. Sofrimento novo, acho que aguento. Divergências inéditas. Decepções desconhecidas. Sofrimento velho de guerra, sequela, sofrimento cheio de intimidades, que já me trata por tu e entra sem bater na porta, como se fosse da casa, como se fosse parte, enxoto agora com vassoura, grito ou trabuco. Me mudo. Muda, bifurco. Crio asas, voo alto correndo riscos, rindo, me estabaco mas não caio no mesmo lugar. Quem sabe até aprendo a planar.

LOOP INFINITO é quando uma função entra num erro e se repete indefinidamente até que o usuário interrompa o processo. Eterno retorno. Somos aprisionados por situações que nos perseguem, que nos descobrem, não importa se mudamos o cabelo, se envelhecemos, engordamos, lá vêm elas, pé ante pé, como gêmeas siamesas idênticas e fantasmagóricas, trazer para o nosso coração sempre a mesma assombração, um homem que só muda de nome e que não vemos pois ele só precisa, por exemplo, ser alto e homossexual enrustido, ou louro e intelectual violento. Com tanto filme bom passando, minha vida traz a mesma cena e se fujo dela, caio no buraco negro, de onde nada sai. Digo não ao loop infinito, dou um boot, armo um bote e caio fora. Não me pegam mais agora. Fiquei free.



Certos amores curam. Outros, mal comparando, são como alergia. Basta, portanto, não chegar muito perto. Doença ou remédio, é imprescindível saber distinguir quem colore a nossa vida de quem a inferniza. Mais que isso. Ninguém passa dos quarenta alheio a tão importante lição de Química e Metodologia. A proximidade de alguém pode ser a balsa que nos salva ou o maremoto que nos afoga quando naufragamos de amor. Saber distinguir, com exata precisão cirúrgica, se é hora de pular fora ou de pular em cima é uma sabedoria milenar sem aplicação prática, mas extremamente rica em poética. Um manancial de metáforas. Também podemos ser classificados e reclassificados como maremoto ou monotonia. Entretanto, todos nós gostaríamos de ser, um para o outro, bálsamo, inferno e alegria.

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