A vida não me daria saúde perfeita, emprego estável, filha maravilhosa, doce companheiro, casa confortabilíssima, conta bancária farta, amigos divertidos, viagens pra longe, carro possante, humor refinado, coragem. Porque não é do seu feitio dar esse mole para as pessoas. São raros os eleitos que possuem qualquer dessas sortes. Sou uma mãe coruja de ego inflado. Aceito as lacunas, as saudades sem remédio, as dores para as quais desconheço analgésicos de efeito duradouro. Aceito sua ausência nesse pacote de renúncias. A vida é parcimoniosa quando se trata de conceder milagres. Como queiras, caríssimo coração, que cales, caminharei quieta quase cósmica na língua do quê? Viu? Palavras servem também para jogos, para passar o tempo a ferro, não pedi-las mais a você. Guarde-as num cofre secreto. Vamos temer.
Gaivotas são urubus brancos, como garças, patos elegantes,
mergulhadoras, acrobatas, atobás.
Hoje aproveito este interregno de borboleta e voo
movimentos aflitos de beija-flor. Olha que os beija-flores não dão rasantes,
não plainam, as gaivotas mergulham, cada um do seu jeito, credo, até as
baratas voam, que coisa mais chata. Voar deveria ser glamour, mon amour, um
explícito privilégio dos pássaros elegantes, dos carros possantes, dos homens,
belos amantes, e das pessoas livres como eu e você.
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