A televisão, muito perto da cama, sem volume, funciona como uma grande luminária caleidoscópica na escuridão do quarto. Outro dia, acompanhar uma conversa de bar não conseguia, fiquei com os ouvidos simpáticos. Há muito mais gente querendo falar do que ouvir. Calada, os amigos se abriram, sem as minhas impetuosas interferências. Faça-me o favor, a vida não é séria, é mínima. Não custa nada ficar calada. É só por uma noite. Falo muito para espantar o tédio, falo muito porque assim me divirto e evito diálogos sem sentido. Falo como se escrevesse. E hoje não escuto tiros, nem o forró com microfone na rua da Lapa, nem a briga do vizinho, nem os pássaros, nem a cachoeira, tampouco o start da geladeira. É um silêncio de domingo no bairro boêmio. E por ele chegam as ausências todas, confinadas num baldinho. Nem ligo o som, nem ligo. Repito que está silêncio porque estou sozinha, é isso. Não há como evitar essa dor, é impossível. Nem cantando os males espanto. Quero janelas e boca fechadas. É um perigo essa mistura de solidão e silêncio juntos e eu gosto de aventuras dramáticas. Na escuridão da noite iluminada por uma televisão amordaçada, a esquerda carrega malas de dinheiro então pra mim será sempre tarde demais, um mundo melhor não será mais possível, não sou mais oposição, nem rebelde, nem revolucionariamente escapista, nesta encadernação tornei-me urbanóide igual, hippie é neo-rural, sexo só com camisinha e afeto. Sambo às quintas, estudo à noite, espero os netos. Não sofro à toa. Faço questão de ficar muito amargurada. Mais que mar, mais que sal, mais que lágrima. Quero a amargura pura. Com poucas rimas. Quero que doa.
23 de fev. de 2014
SILÊNCIOS DE DOMINGO
A televisão, muito perto da cama, sem volume, funciona como uma grande luminária caleidoscópica na escuridão do quarto. Outro dia, acompanhar uma conversa de bar não conseguia, fiquei com os ouvidos simpáticos. Há muito mais gente querendo falar do que ouvir. Calada, os amigos se abriram, sem as minhas impetuosas interferências. Faça-me o favor, a vida não é séria, é mínima. Não custa nada ficar calada. É só por uma noite. Falo muito para espantar o tédio, falo muito porque assim me divirto e evito diálogos sem sentido. Falo como se escrevesse. E hoje não escuto tiros, nem o forró com microfone na rua da Lapa, nem a briga do vizinho, nem os pássaros, nem a cachoeira, tampouco o start da geladeira. É um silêncio de domingo no bairro boêmio. E por ele chegam as ausências todas, confinadas num baldinho. Nem ligo o som, nem ligo. Repito que está silêncio porque estou sozinha, é isso. Não há como evitar essa dor, é impossível. Nem cantando os males espanto. Quero janelas e boca fechadas. É um perigo essa mistura de solidão e silêncio juntos e eu gosto de aventuras dramáticas. Na escuridão da noite iluminada por uma televisão amordaçada, a esquerda carrega malas de dinheiro então pra mim será sempre tarde demais, um mundo melhor não será mais possível, não sou mais oposição, nem rebelde, nem revolucionariamente escapista, nesta encadernação tornei-me urbanóide igual, hippie é neo-rural, sexo só com camisinha e afeto. Sambo às quintas, estudo à noite, espero os netos. Não sofro à toa. Faço questão de ficar muito amargurada. Mais que mar, mais que sal, mais que lágrima. Quero a amargura pura. Com poucas rimas. Quero que doa.
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