Finita como flores

23 de fev. de 2014

REINVENTA-ME QUE EU TE IDEALIZO


Agora que eu te amo e tu me amas, corremos como cegos sem balizas, navegantes sem estrelas, náufragos sem medo, palavras realistas, ninguém nos espia, nenhuma constelação nos guia, escrevo globalizada, contando o marcador de visitas. Inventamos o enredo. Teus olhos no meu texto, teu rosto no meu sonho. O monitor tem línguas, falo, bafos quentes. Revendo teus dentes úmidos, como a fotografia. Quero que rias. Não sairemos de mãos dadas rumo ao lanche. Juntos, não atingiremos o clímax. Pensa em mim quando a juventude gritar nos hormônios que eu pensarei em ti quando o desejo vermelho ardente e crepúsculo.
Você não bate bem do coração e eu moro pancada numa ilha. Pintarei meu cabelo de louro escondido para que penses em mim errado, como um velho retrato. Estou onde me amas, nas palavras. E estás aqui deitado ao meu lado, lendo à luz de velas, tenho medo de acender as luzes. Você, que me ama sem rodeios às seis e quinze e depois se esquece e chora pela ruiva da cuíca, está comigo nesse escuro de chama acesa flamejante, nós atados no circuito.
Decidi lavar roupa suja no banho escaldante. Ou ferver com meu amante. Quem sabe deixaste um cheiro de homem em algum canto. Ou tenhas caído do céu como um anjo ardente e ferido. Estamos sós, meu querido. Vivendo um doce pecado, um bom-bocado. Leva-me em teu corpo como um amuleto e eu te levarei comigo em segredo. Não há fórmulas para isso. Estamos sós, sagrados ou profanos. Completos completamente perdidos.

Entre o sono e a vigília tu me comes. Sinto que é teu o mastro fincado na areia úmida. E roda, desenha o círculo como um pau de barraca de praia na areia fina, cava a carne como um punhal imaginário e preenche o vazio do buraco aberto em teu nome. Molhamos juntos os panos desfeitos sem a presença um do outro. Acordarei molenga como se tivesse passado a noite contigo. E estarás tão próximo que estranharei não tocar-te.  Funcionarei atravessando ruas engarrafadas e anônimas com um sorriso de dama bem comida, misturada à multidão subserviente que controla os relógios atenta aos semáforos e bloqueia os sonhos eróticos inventados de dia. O colar no pescoço não é joia, é língua, arfar nos brincos, braços apertados como cintos. A rotina burocrática passa correndo pelos arrepios, nunca sei o exato momento em que me cobres como manto ou se estou nua. Se o vento me levanta a saia, ou se me sopras. O sol pode ser teu fogo e se a chuva me pega pelas costas desprevenida é lambida indecente, eu correndo, fugindo na rua, blusa respingada, seios num balanço arrepiando os bicos na corrida. Se o escuro da noite mete medo metes em segredo. Ela lateja e flutua. Foi um sonho ou fui tua.

A paixão é ausência, arte, souvenir, patuá, santinho. Se tocada, é bolha. Se fugida, assalto. Perseguida, nuvem. A vida é tão rápida e tão bela que até a morte parece brinquedo. O gozo é tão fugaz que mete medo. Enfia, então, tuas fantasias pelo sonho adentro, e imagine que eu sou o que gostarias que eu fosse e que digo as frases que em minha boca à tua colas. Perderemos o juízo. Reinventa-me que eu te idealizo.

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