Finita como flores

23 de fev. de 2014

YO SOY TÚ ERES


Com que humildade nos reunimos numa sala feia na feia Avenida Presidente Vargas e, indiferentes às nossas idades, de dezoito a setenta, começamos juntos a dizer yo soy, tú eresQue gracinhas somos. Alguns depoimentos revelam quem começa a estudar espanhol porque não consegue mais fazer o dever de casa com o filho, ou ensinar ao neto, e se cala. Quem odeia a língua mas precisa. Quem guia, quem viaja.
Há guerras, há sanguessugas, há desvio de dinheiro público, há fome, há tortura, há uma explosão de ataques em São Paulo nesse momento, e há o nosso próprio envelhecimento, uma violência silenciosa que se passa no interior do corpo e contra a qual não podemos sequer escrever cartas indignadas aos jornais de grande circulação. Entre ginásticas, terapias e vitaminas, nada nos resta a não ser aceitar a dor da perda do poder da juventude, o constrangimento da verdade do espelho que revela a lentidão de nosso desaparecimento, o embaraço de encontrar velhos os velhos amigos moços que embelezavam a vida, belos senhores, foram nossos amores. Ficam mais sós quando se tornam avós.
Há mísseis, há libaneses e israelenses debaixo de fogo, há trombadinhas nas esquinas e noventa e oito ataques do crime organizado contra a cidadania desorganizada e pasma, não há leitos em hospitais públicos, e há nossa própria decadência física que se enraíza muito lentamente em rugas pequeninas, em fios brancos crescendo feito mata, a despeito da tinta com que colorimos os pêlos, os cabelos, a vida.
Há roubalheira, mamata, bombardeios, barrigas, seios, solidões, silêncios, e são muitos quando o ninho está vazio e a menina do frescobol anseia por um neto.
Afeto. Ternura. A filha está linda e a vida está dura. Pero mañana por la mañana estaremos juntos. E não teremos medo, de sequestros nem de espelhos. Apesar das sequelas. Estudantes que se expõem aos erros, sin duda, viveremos. Que a natureza nos avance na idade, invasiva e sorrateira, enquanto explode a cidade e roubam carteiras e dinheiro, de ambulâncias falsas, as que nos socorreriamYo soy, viste? Y tú eres. Ninguém nos mata a curiosidade.


Nenhum comentário: