Com que humildade nos reunimos numa sala feia na feia Avenida Presidente Vargas e, indiferentes às nossas idades, de dezoito a setenta, começamos juntos a dizer yo soy, tú eres. Que gracinhas somos. Alguns depoimentos revelam quem começa a estudar espanhol porque não consegue mais fazer o dever de casa com o filho, ou ensinar ao neto, e se cala. Quem odeia a língua mas precisa. Quem guia, quem viaja.
Há guerras, há sanguessugas, há desvio de dinheiro público, há fome, há tortura, há uma explosão de ataques em São Paulo nesse momento, e há o nosso próprio envelhecimento, uma violência silenciosa que se passa no interior do corpo e contra a qual não podemos sequer escrever cartas indignadas aos jornais de grande circulação. Entre ginásticas, terapias e vitaminas, nada nos resta a não ser aceitar a dor da perda do poder da juventude, o constrangimento da verdade do espelho que revela a lentidão de nosso desaparecimento, o embaraço de encontrar velhos os velhos amigos moços que embelezavam a vida, belos senhores, foram nossos amores. Ficam mais sós quando se tornam avós.
Há mísseis, há libaneses e israelenses debaixo de fogo, há trombadinhas nas esquinas e noventa e oito ataques do crime organizado contra a cidadania desorganizada e pasma, não há leitos em hospitais públicos, e há nossa própria decadência física que se enraíza muito lentamente em rugas pequeninas, em fios brancos crescendo feito mata, a despeito da tinta com que colorimos os pêlos, os cabelos, a vida.
Há roubalheira, mamata, bombardeios, barrigas, seios, solidões, silêncios, e são muitos quando o ninho está vazio e a menina do frescobol anseia por um neto.
Afeto. Ternura. A filha está linda e a vida está dura. Pero mañana por la mañana estaremos juntos. E não teremos medo, de sequestros nem de espelhos. Apesar das sequelas. Estudantes que se expõem aos erros, sin duda, viveremos. Que a natureza nos avance na idade, invasiva e sorrateira, enquanto explode a cidade e roubam carteiras e dinheiro, de ambulâncias falsas, as que nos socorreriam. Yo soy, viste? Y tú eres. Ninguém nos mata a curiosidade.
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