Quando escurece, é natural que as ferramentas de consertar o mundo e organizar amores transbordem cabeça afora porque se me derem uma ideia naufrago em desdobramentos e assusto. É natural que desligue o aparelho e não receba mensagens, que silencie o celular para que nenhum ruído me atrapalhe a solidão escolhida. Não fiquei no samba, não furei ondas, furei. Disfarcei e saí de fininho porque não deu o clique. Nada vibra, exceto o telefone que ignoro. A semana só não é monocórdia porque invento prazeres, aceito convites, confiro. E brinco de qualquer coisa porque a vida brinca comigo do mesmo jeito e passamos uma pela outra tão rápido que me perco nas agendas que anoto e não leio, nas fotos que tiro e não vejo, no encontro que marco e falto sem culpas. Meu coração é quem dita, quem premedita, quem me esconde recados. Segui-lo é seguir-me. Tudo que poderia ser trágico, patético, fica engraçado na vida e rio de mim como quem vai ao cinema só se for comédia. É a despretensão da vida que chateia. Deixo a imaginação bem solta para que alce voo e me leve bem leve a caminho. Meu ninho é pequeno e nele me aconchego quando chego para jogar palavras e adoçar meu ânimo. Querem que eu esteja sempre alegrinha, mas dá licença? Posso chorar de noite, salpicar de sal o poema, amargar como água do mar, como lágrima? Acho a tristeza linda sábado à noite. Posso?
Quem quiser dançar que dance. Daqui ouço música brega, escuto vozes bêbadas longínquas e nada há que me encante hoje, decidi-me pelo orgulho de ser diferente. Acho a natureza humana chata e de vez em quando preciso cortar com ela. Assim me fortaleço supondo-me diferente de toda essa gente que quando chove, diz: É o tempo... Gosto de conversas intrigantes e de pessoas complexas, confusas e engraçadas. A menina gorda que mora nas ruas não me pareceu infeliz e isso me encanta. Meu amigo lindo toca violão e me falou de cifras. A imprensa só noticia desfalques e elenca cifras. A mídia se aprimora em oferecer más notícias e ainda se gaba por ser transparente, eu não acredito, é mentira dela. É mentira que a realidade se resume a ladrões de merenda, arrastões na praia de ladrões sem peixe, futricas na câmara, assassinatos macabros, denúncias sem devolução de dinheiro, casamentos badalados de atrizes, festas de bicheiro, capítulos baratos de novela e outras asneiras. A beleza não sai no jornal de hoje em dia. É a porcaria travestida de informação o foco, faróis dos veículos. Pego meu carro preto e pego a estrada quando posso. Gosto de transportar-me. Por isso quando cruzo cidades eu me liberto. Os azedumes não me alcançam, perdem-se no espelho retrovisor. Só os anjos que pegam o sol das ruas conseguem voar na minha cabeça. Viu? Já nem estou mais amarga. A realidade é uma história inventada e vez por outra se transmuta. Adoro gente que viaja. E que dá gargalhadas jogando a cabeça pra trás. E que descobre coisas, ao passo que a massa amorfa pisa na beleza enquanto caminha apressada. A turba tem pressa. É afoita. Bom mesmo é navegar em ideias tolas, de noite, quando o mundo vira um sábado à noite afobado. Continuar irreverente. Ignorar essa gente que circula anos feito pêndulo, monocórdia. Quem quer marchar com a massa que marche. Eu me iludo satisfeita supondo que mudo o mundo transgredindo uma transgressão que ninguém nota. Mas isso também não me importa. Oscilo entre o tédio, o ódio às notícias fajutas, o orgulho besta de pensar-me ovelha desgarrada das ovelhas, iludida, pois se passei a semana almoçando de olho no relógio, que transgressora é essa, me diga! Tenho pensamentos rebeldes, esse é o meu mote. Quero reinventar a vida, os relacionamentos. E não ligo a mínima se você disser que o mundo novo só cabe no meu pensamento.
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