A verdade assusta e faz rir, mas gosto dela com suas mil facetas despistando. Segredos são como bolas de fogo corroendo entranhas. Gosto de espelhos, confissões, sinceridades. Frases tascadas na cara feito tapa. Cada vez mais, falo o que penso e me estrepo. De que tanto se envergonham as línguas travadas, as meias palavras, mudanças bruscas de assunto, chás de sumiço. Ninguém ouve a verdade inteira. Nem que seja a do momento. Nem que se esteja enganado. Se eu não fosse escritora, seria uma mulher-bomba sem explosivos. Voaria em pedaços só com a combustão das palavras. Atrás delas me escondo.
RETIRO O QUE DISSE
Retiro o que disse ontem. Às vezes uma frase vingativa escapa e detonamos um relacionamento. Às vezes se vive e se morre uma vida inteirinha na feliz ignorância de um fato. Se a verdade tem dois lados, vamos ficar com o bom. Um incentivo, um elogio e um eu te amo, adoçam o coração, mesmo que falsos. Uma desculpa, uma satisfação, um pedido de perdão, mesmo que falte o arrependimento. Tudo é melhor que a agressão do silêncio e do sumiço. Segredos podem ser caixas de veneno trancadas a sete chaves. Segredos podem ser riquezas que selam amizades. Amálgamas de individualidades. Sou o que sei. O silêncio é de ouro, mudei de ideia.
Hoje em dia as pessoas mais esclarecidas dizem aos filhos adotados que são adotados. Há algumas décadas, quem revelasse um segredo desses arriscava-se até a levar um tiro. Hoje em dia os médicos dizem a verdade aos próprios pacientes e não mais a seus parentes. Um médico é capaz de dizer, e disse, eu ouvi:
- Os remédios não estão mais fazendo efeito, o organismo não está mais respondendo. Eu sempre disse à senhora que um dia isso ia acontecer. Não há mais nada a fazer.
A paciente que ouvia era minha mãe. Saímos do hospital de braços dados, em silêncio, até que ela me perguntou do que eu mais me lembraria dela. Do seu senso de humor, respondi. Então ela me disse: o que eu mais gostei na vida foi de namorar. Ela morreu pouco mais de um mês depois, com o namorado a seu lado. Deixou vários envelopes, orientações burocráticas e bilhetes. Endereços para onde eu devia ir, documentos que tinha que levar. A verdade foi um procedimento adotado, tanto por ela quanto pelo médico. Tanta realidade exigiu de nós um autocontrole que rasgou meu coração para sempre. Sete anos depois tenho uma ferida aberta, oculta e quieta. Se por acaso esbarro, como dói.
Na tela do micro fico refletida como um espelho por causa da claridade excessiva. O que não souber narrar, invento. Pescar palavras fortes - calvário destroços cativeiro - torna nossa banalidade trágica.
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