Finita como flores

18 de jul. de 2010

Não há órfãos

Hoje estou muito feliz. Aprendi de novo o que é um decâmetro, um hectômetro, um número primo. Que beleza! Obrigada, Márcio. Obrigada, Henrique! A trajetória humana é uma caixinha de surpresas! O fato de durante toda minha vida não ter precisado dessas informações não quer dizer que um dia, subitamente, não possam ser preciosas. Nem que seja só pra passar num concurso. Provavelmente na Administração Pública há situações em que saber que um conjunto vazio está contido em qualquer conjunto seja imprescindível para melhorar a qualidade de nossas vidas. É só parar pra pensar. Nunca menospreze o que você não sabe, só porque você não sabe, como saber? Realmente nunca tive ocasião de colocar em prática a raiz quadrada mas, volto a dizer, sinto que ela é importantíssima, senão não estaria há tempo aqui, e aqui vai continuar, mesmo depois de nós. Ter vivido uma vida sem olhar pra ela não foi por querer. É que escolhi as Ciências Humanas. Nem escolhi, nasci com essas familiaridades. Compreendia melhor a interdição do incesto como moeda de troca equivalendo-se à linguagem, do que o centímetro cúbico, que sempre se manteve afastado de mim. A Literatura, a Fotografia, a Antropologia, a Arte pintaram no meu destino. Interessaram-me, sobretudo, porque precisei delas, muitas vezes, para não me jogar da janela e sobreviver. Mas e daí? A Matemática é maravilhosa! Raciocínio lógico! Hoje, com meu parco conhecimento, adquirido no livro que meu sobrinho de onze anos não usa mais, posso te dizer, em poucas horas, quantos alunos tem um colégio, sabendo-se que 120 não têm pai professor, 130 não têm mãe professora, 5 têm ambos os genitores professores, 55 possuem pelo menos um dos pais professor e que não há alunos irmãos. O Colégio tem 155 alunos, gente! Basta ir na secretaria e contar.

Adeus.
A saudade tem seu charme, Madinha, posso apagar o passado recente e rejuvenescê-la em minha memória. Quero guardá-la bela, mulherona que na minha infância tanto me encantava. Não envelhecerás. Serás a bela Helena, de humor instável, temperamento forte, língua ferina pronta para respostas afiadas gozadas rápidas, desconcertantes, gênio terrível, sensualidade à flor da pele, trágica beleza, amores explosivos, orgulhosa, irreverente, autêntica, brava, rancorosa, engraçada, debochada, alegre, linda com seus olhos verdes e suas longas unhas vermelhas, sofrida, sofrida. E depois divertida na sua extrema obsessão de dar valor às mínimas coisas. E comover-nos repetindo sempre ao telefone, antes de desligar, com a voz embargada de quem se despede: amo vocês. Guardo-te em mim.
Que o Mistério de onde um dia você veio te acolha de volta, singularizada. Tomara que a gente morra e não se misture de novo às estrelas, mas mantenha essa unicidade, atribuída à toda obra de arte de nossa cultura, para que, quando chegar o meu dia, a gente possa se encontrar de novo, matar as saudades, sem as amarguras e os dramas terrenos, e rir como dois anjos sem dor e sem pecado.

A CHORAÇÃO
A choração passa como uma gripe, como uma chuva. Lavados, prosseguimos. Recuperando a graça de sermos tolos com a sabedoria de quem sabe que é poeira de vento, pó de estrela, passagem, leve, que nada pesado nos sobrecarregue porque viemos a passeio e já passamos da idade de sofrer por tolices porque conhecemos de perto o indiscutivelmente triste. E só quem viu o que é indiscutivelmente triste de perto é capaz de dar uma gargalhada quase à toa, só porque estamos puros, meio crianças de visita. Tudo será breve quando olharmos pra trás e já tiver passado, bonança. O ataque de riso é sagrado. Dele exijo fartura.


O RISO É RENOVÁVEL E MINHA SALVAÇÃO
Sou compelida a fazer graça, mesmo dramática. Cai um pedaço de mundo na minha cabeça como um novelo emaranhado e me flagro tecendo planos para futuros, vibrando com possibilidades que talvez não se concretizem. As funções aborrecidas do dia-a-dia, as perdas iminentes, os becos sem múltiplas saídas, as amargas notícias que os jornais diários selecionam, chapam, e fazem questão de nos jogar na cara sem análise, como um pão puro de ontem, nada, nada consegue tirar de mim a excitação de matricular-me num curso novo, a expectativa de uma porta boa entreaberta. Um otimismo poliano que me deixa infantilizada, a manifestação de um sintoma que, em vez de manifestar-se em febres ou espinhas, nubla a realidade e me deixa com esse olhar de satisfação quase idiota. Sou palhaça, avoada, alegrinha, e quando eu morrer os Titãs vão dizer:
- Ah, poderia ter amado mais e sido mais amada, poderia ter sido famosa, feito um pé de meia, poderia ter sido até mais feliz. Mas jamais dirão:
- Esta perdeu oportunidades preciosas de rir.
Isso nunca. Quero gastar toda a minha cota de riso desta encadernação. O riso é renovável e minha salvação.

Nenhum comentário: