Finita como flores

23 de fev. de 2014

VAI CONTINUAR A MORRER


Pernoito no hospital enquanto mamãe se prepara para morrer ao lado de outras pessoas que lutam para continuarem vivas. A fita mostra o momento exato em que saio à rua, é sábado, está um sol desesperado de verão passeando no céu azulíssimo. É como se eu estivesse me preparando para morrer também, um dia. Penso que neste exato momento pessoas fazem planos, viagens, compram carros, tiram passaporte, publicam livros, estreiam shows, apaixonam-se, trepam, gozam, dançam, ganham dinheiro, nascem até. Mas para mim a vida está parada. Voltarei à noite para acompanhar minha mãe, que vai continuar a morrer.
O Hospital do Câncer é o lugar mais triste do mundo.
Eu sei que o tempo vai passar, mamãe vai morrer, depois o luto vai clarear aos pouquinhos, pois a vida teima sempre em continuar. Eu sei que vou lacrar esses momentos tristes no baú dos assombramentos e que vou alcançar a carreta da vida lá na frente. É tudo uma questão de tempo.

Quero estudar. Quero escrever. Quero fazer milhões de coisas que não tenham preço, invendáveis, que nunca darão dinheiro, quero fazer fotografias em preto e branco e encher as paredes de uma casa no alto de 214 andares, onde quase ninguém vai. Quero aprender espanhol pra cantar no chuveiro.

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