Finita como flores

23 de fev. de 2014

UMA VIDA SEM CACHOEIRAS


Visito uma cidade tão pequena que tem o mesmo número de habitantes do meu prédio. Aos poucos as crianças e até os cães me reconhecem. Nem celular pega em volta dessa praça onde a comunidade constrói com as próprias mãos casas para os desabrigados.
Quando volto de lá, depois de tirar meu violão do sótão imaginário e aprender músicas de luar do sertão e de serestas com acordeon e fogueira, sou mais frágil.
Em vez de retornar energizada para o enfrentamento da cidade maravilhosa, volto mais sensível às cenas de rua, mais deslocada, e procuro em vão um sentido para o meu dia-a-dia. Um sentido para uma vida sem cachoeiras.

O mundo vem de aeroporto, vem de metrô, e transborda o Rio de Janeiro para ver os Rolling Stones cantarem na praia de Copacabana. Passo a chave na porta e giro três vezes, troco as cordas do meu violão balzaquiano e juro que dessa vez aprendo. Fecho bem as janelas, ligo o ar e me escondo. Tenho medo do Mick Jagger.

Queria acordar amanhã com barulho de vaca e bezerro, de galo e pássaros, e rever as oito estrelas cadentes que me emocionaram deitada sozinha na grama úmida, vendo um céu tão cheio de estrelas e centenas de vaga-lumes que lá estão todas as noites enquanto eu me pergunto o que é uma vida sem vaga-lumes.


Nenhum comentário: