Há cubículos na Penitenciária Lemos de Brito que são verdadeiros brincos. Tudo tem grade: a escola, a igreja, as oficinas e até a janela do quarto de Jesus num quadro pintado a mão por um preso.
Girassóis, estrelas do mar, afogo-me num amar de risos porque a metáfora é tão boa e a poesia voltou pra mim como um amante arrependido. Encheu meu coração de rimas e de ritmos que não comando. Às vezes penso que ela foi embora, que fiquei velha, que fiquei triste para sempre, que caí na mediocridade de ver novelas, juntar dinheiro e sentir dores, medo e ciúmes como todo o mundo, que minha dor só vai me fazer chorar e chorar e é quase à toa, olhos marejados, rio de lágrimas, disfarçadas feito pecado, é proibido ser triste, é feio chorar escondido, e se alguém me pega? Entrego-me à avalanche das palavras e nem me ligo nos significados, que desculpem e descubram os leitores, quando eu própria tiver me transformado numa metáfora, numa onomatopeia, numa metonímia.
Quando crescer, quero ser metáfora. E morar na poesia, na tua, que quero uma por dia, te espremendo assim com toda a força o coração, o peito, o choro, o desejo, o medo, a alegria exagerada que nos envergonha porque o mundo é triste pra caramba, cheio de gente com fome e ladrões de merenda, e ainda assim quero teus versos diários, vindos pela estratosfera via satélite num rabo de foguete, quente como fomos, como poderíamos ser de novo se habitássemos o mesmo planeta, se nos encontrássemos por acaso numa revelação bem na esquina, se clicássemos com a retina e pudéssemos saber da cara um do outro sem o recurso de olhar fotografia, porque já pintei o cabelo e você nem fez a barba, talvez hoje eu seja loura, eu seja outra, ou louca, como saberias? A rotina nos massacraria, a culpa, nossas diferenças. Guardo teu olho de rasgar meu corpo numa lembrança bem curta, foi um flagrante, um olhar quase um delito, tu não me olhavas, me espiavas, sei do desejo e da desconfiança. Nunca me encontrarás fora das letras, fiquei na margem do rio, numa tenda onde nos abraçamos como dois estranhos, suados e aflitos, quase arrependidos. O telefone da loura ficou escrito no programa. O mundo está cheio delas, nelas tropeças, contas, casas, nunca tendas, nelas filhos.
Eu fiquei com o coração aos pulos olhando o sol se pôr na beira do rio, com todos os ciúmes que senti na vida, amalgamados na violência daquela cena. Nunca me encontrarás porque eu não estou no Rio, estou no epicentro de um mundo melhor que desmontaram depois do evento, vento. Invento combinações de palavras malucas e fico aliviada e satisfeita, como se por algumas horas eu habitasse outro universo, o nosso, de verso. Tu sabes quanto tempo leva uma poesia, quanta alegria, quanto transbordamento. Semana passada eu não conseguia escrever uma linha de poema. Cheguei no trabalho como quem chega no inferno alegre porque existe vida depois da morte, e abraça o capeta. Mas temos sorte, a poesia me possuiu de novo como um macho de personalidade forte. Fecho os olhos e teclo, teclo, teclo, sem olhar, como se pianista fosse e ouvisse música. Como se psicografasse. Como se um girassol se curvasse, como se uma estrela cadente nos acertasse. Nunca seremos consumistas. Nunca meras conquistas. Temos poemas nascendo de dentro da cabeça e isso é milagre. Somos fábrica de enrolar palavras, com elas desmanchamos o mundo da cobiça. Quem tem metáforas guardadas dentro do corpo não compra celular último tipo. Tem preguiça.
Esperávamos pela mágica do amor, ela passou batida. Meu grande amor já tinha tomado outro rumo no vagão da frente. Foi-se. Levou-me no bolso como um souvenir de viagem. Guarda-me assim, como um retrato, enquanto a lua mingua, o sol se põe de lado, e nuvens carregadas de lembranças tão tolas quanto as nossas atravessam os cantos do céu criminosas. Ora, flores morrem todos os dias.
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