Finita como flores

23 de fev. de 2014

NEM A PÉTALA MORTA DENTRO DO LIVRO É CAFONA


Os que morreram continuam a fazê-lo todos os dias. Mamãe, quero telefonar-te, só isso. Aceito tua morte mas me recuso a nunca mais ouvir tua voz na linha, preciso te contar detalhes do que se passou comigo nos últimos nove anos, mas eu não tinha ideia de quanto tempo teria que viver sem você do outro lado. Não tem mais endereço, nem número. Falo sozinha e pego o gancho feito maluca, questão de segundos. Depois escondo o pensamento e digo que a mãe sou eu, que agora a mãe sou eu e fico te imitando.
Seu namorado morreu, fiquei sabendo ontem. Nem dei adeus, nem fiz visita, estava ocupada recortando classificados, conferindo extratos, refazendo contas, tonta, dei uma choradinha depois voltei pro carrossel da vida. Mães morrem e amores mágicos passam batidos enquanto estamos distraídos. Isso é eterno, imprescritível, definitivo. Por isso não carrego fardos. Reinvento todo dia a nossa história. Nunca é a mesma, eu sou criativa. Na real, ninguém ressuscita, ninguém grita, ninguém agarra a magia porque ela é matéria feita de vento. Estou viva e é uma questão de tempo. Eu, você, nossos amigos e a torcida do Flamengo. Você, me leva no bolso como um souvenir porque eu sempre trago lembranças, eu poderia ter sido e não fui, esta é a razão de estar leve como uma folha de papel em branco onde o meu mágico amor, aquele que passou batido, pode escrever ideogramas, desenhar palavras em letra de forma porque nada entre nós é proibido, nem a pétala morta dentro do livro é cafona. O tempo é sempre curto, que ninguém se iluda. A elasticidade dos sentimentos relâmpagos é o que assusta.


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