Finita como flores

18 de jul. de 2010

Reinventa-me que eu te idealizo

Agora que eu te amo e tu me amas, corremos como cegos sem balizas, navegantes sem estrelas, náufragos sem medo, palavras realistas, ninguém nos espia, nenhuma constelação nos guia, escrevo globalizada, contando o marcador de visitas. Inventamos o enredo. Teus olhos no meu texto, teu rosto no meu sonho. O monitor tem línguas, falo, bafos quentes. Revendo teus dentes úmidos, como a fotografia. Quero que rias. Não sairemos de mãos dadas rumo ao lanche. Juntos, não atingiremos o clímax. Pensa em mim quando a juventude gritar nos hormônios que eu pensarei em ti quando o desejo vermelho ardente e crepúsculo.
Você não bate bem do coração e eu moro pancada numa ilha. Pintarei meu cabelo de louro escondido para que penses em mim errado, como um velho retrato. Estou onde me amas, nas palavras. E estás aqui deitado ao meu lado, lendo à luz de velas, tenho medo de acender as luzes. Você, que me ama sem rodeios às seis e quinze e depois se esquece e chora pela ruiva da cuíca, está comigo nesse escuro de chama acesa flamejante, nós atados no circuito.
Decidi lavar roupa suja no banho escaldante. Ou ferver com meu amante. Quem sabe deixaste um cheiro de homem em algum canto. Ou tenhas caído do céu como um anjo ardente e ferido. Estamos sós, meu querido. Vivendo um doce pecado, um bom-bocado. Leva-me em teu corpo como um amuleto e eu te levarei comigo em segredo. Não há fórmulas para isso. Estamos sós, sagrados ou profanos. Completos completamente perdidos.

Entre o sono e a vigília tu me comes. Sinto que é teu o mastro fincado na areia úmida. E roda, desenha o círculo como um pau de barraca de praia na areia fina, cava a carne como um punhal imaginário e preenche o vazio do buraco aberto em teu nome. Molhamos juntos os panos desfeitos sem a presença um do outro. Acordarei molenga como se tivesse passado a noite contigo. E estarás tão próximo que estranharei não tocar-te. Funcionarei atravessando ruas engarrafadas e anônimas com um sorriso de dama bem comida, misturada à multidão subserviente que controla os relógios atenta aos semáforos e bloqueia os sonhos eróticos inventados de dia. O colar no pescoço não é joia, é língua, arfar nos brincos, braços apertados como cintos. A rotina burocrática passa correndo pelos arrepios, nunca sei o exato momento em que me cobres como manto ou se estou nua. Se o vento me levanta a saia, ou se me sopras. O sol pode ser teu fogo e se a chuva me pega pelas costas desprevenida é lambida indecente, eu correndo, fugindo na rua, blusa respingada, seios num balanço arrepiando os bicos na corrida. Se o escuro da noite mete medo metes em segredo. Ela lateja e flutua. Foi um sonho ou fui tua.

A paixão é ausência, arte, souvenir, patuá, santinho. Se tocada, é bolha. Se fugida, assalto. Perseguida, nuvem. A vida é tão rápida e tão bela que até a morte parece brinquedo. O gozo é tão fugaz que mete medo. Enfia, então, tuas fantasias pelo sonho adentro, e imagine que eu sou o que gostarias que eu fosse e que digo as frases que em minha boca à tua colas. Perderemos o juízo. Reinventa-me que eu te idealizo.

YO SOY TÚ ERES
Com que humildade nos reunimos numa sala feia na feia Avenida Presidente Vargas e, indiferentes às nossas idades, de dezoito a setenta, começamos juntos a dizer yo soy, tú eres. Que gracinhas somos. Alguns depoimentos revelam quem começa a estudar espanhol porque não consegue mais fazer o dever de casa com o filho, ou ensinar ao neto, e se cala. Quem odeia a língua mas precisa. Quem guia, quem viaja.
Há guerras, há sanguessugas, há desvio de dinheiro público, há fome, há tortura, há uma explosão de ataques em São Paulo nesse momento, e há o nosso próprio envelhecimento, uma violência silenciosa que se passa no interior do corpo e contra a qual não podemos sequer escrever cartas indignadas aos jornais de grande circulação. Entre ginásticas, terapias e vitaminas, nada nos resta a não ser aceitar a dor da perda do poder da juventude, o constrangimento da verdade do espelho que revela a lentidão de nosso desaparecimento, o embaraço de encontrar velhos os velhos amigos moços que embelezavam a vida, belos senhores, foram nossos amores. Ficam mais sós quando se tornam avós.
Há mísseis, há libaneses e israelenses debaixo de fogo, há trombadinhas nas esquinas e noventa e oito ataques do crime organizado contra a cidadania desorganizada e pasma, não há leitos em hospitais públicos, e há nossa própria decadência física que se enraíza muito lentamente em rugas pequeninas, em fios brancos crescendo feito mata, a despeito da tinta com que colorimos os pêlos, os cabelos, a vida.
Há roubalheira, mamata, bombardeios, barrigas, seios, solidões, silêncios, e são muitos quando o ninho está vazio e a menina do frescobol anseia por um neto.
Afeto. Ternura. A filha está linda e a vida está dura. Pero mañana por la mañana estaremos juntos. E não teremos medo, de sequestros nem de espelhos. Apesar das sequelas. Estudantes que se expõem aos erros, sin duda, viveremos. Que a natureza nos avance na idade, invasiva e sorrateira, enquanto explode a cidade e roubam carteiras e dinheiro, de ambulâncias falsas, as que nos socorreriam. Yo soy, viste? Y tú eres. Ninguém nos mata a curiosidade.

NÃO REPASSEM ESSA INFORMAÇÃO AOS SEUS AMIGOS E FAMILIARES
Recebi o seguinte e-mail:
“ATENÇÃO NÃO DESLIGUE SEU CELULAR!!!
Sabe aquele golpe que estavam dando dizendo que haviam sequestrado um parente seu e exigindo resgate? Ele foi remodelado. Agora os bandidos ligam para você dizendo que'seu celular foi clonado: Alô,Fulano? Nós somos da (VIVO / CLARO / OI/TIM) e gostaríamos de informar que seu celular foi clonado. Você poderia “desligá-lo por 1 hora apenas?”. Você, acreditando, desliga o celular. Os bandidos, então, ligam para sua casa e praticam o golpe do sequestro. Quem atende o telefone liga rapidamente para o celular da pessoa supostamente sequestrada e ouve: “Este celular está desligado ou fora da área de cobertura, tente mais tarde." ''Daí em diante é só pavor total, na família, nos amigos, no trabalho...”
Recebi esta mensagem, como outras do gênero, e suponho que façam parte de uma campanha da indústria farmacêutica para incrementar a síndrome do pânico. Ingenuamente, aqueles que se preocupam conosco, colaboram com este terrorismo amigo. Deixem seus parentes em paz e se matriculem num cursinho de espanhol. É muito mais divertido.


PERDENDO SONO E PALAVRAS
Caio de paraquedas num curso de roteiro por engano. A professora lê meu nome na chamada e o reconhece, pergunta se eu lhe mandei e-mails. Desconverso. Tenho vergonha de dizer que estive na mídia em mil novecentos e oitenta e seis. Depois, loura de farmácia, aciona o Power Point. O item número um é “diferença entre aptidão e vocação para escrever”. Comenta a assertiva e assume que gostaria de escrever novelas das sete.
Não digo que a televisão pode mudar o mundo em trinta dias, mas prefere vender produtos e espalhar más notícias. Vinte lhamas mortas no Peru são destaques no noticiário enquanto menores infratores reabilitados pela capoeira são quase um segredo. Há um mundo que canta, dança, escreve, inventa, mas a grande imprensa não divulga.
Nas linguagens de transmissão oral, os idosos são os depositários do saber. A escrita pode ser a arte da distorção. Não aprenda nada pela televisão. Confirme com um livro. Consulte um idoso culto. Ou mergulhe dentro de si mesmo. Encontrarás a mais requintada sabedoria.
A professora cita a fórmula invencível dos roteiros americanos em que a trama, o clímax e o desfecho têm tempo certo e receita, e afirma que trabalhando assim se vende o produto. Quase levanto o dedo e digo que prefiro os filmes iraquianos aos de Oscar, que não sigo novelas nem manuais para ganhar dinheiro. Que sou poeta por maldição, dom, prêmio ou desgosto. Que não escrevo pensando em retorno, que psicografo.

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