Finita como flores

18 de jul. de 2010

Ei-la, Leila

Leila, estou satisfeita com minha casa-malhação, no alto do mundo. Acho que finalmente vou ter bunda. Subir escadas dá bunda? Subo na boa, só não posso olhar pra cima que me dá vertigens e acho que não vou conseguir. Mas já coloquei uma cadeira em frente à sua casa, para descanso entre os primeiros cem degraus e os próximos cem. Assim teremos nossa prosa diária garantida.

Um amigo enciclopédico me disse que duzentos degraus equivalem a doze andares. Sem contar que estamos no alto de uma ladeira. É por isso que quando deito na minha cama, abro as janelas, e fico admirando a vista, o que vejo são gaviões, urubus e aviões sob o fundo azul do céu. É muito céu. É céu pra cacete! Se existir Deus, vou acabar dando de cara com ele. Algum recado?

Subo a minha ladeira caraminhola, os degraus íngremes que me afastam das picuinhas, dos rastros, das rasteiras, e suando chego no alto do mundo, onde aviões passam por dentro da minha cabeça, micos entram na minha cozinha pela porta, papagaios gritam em bandos uníssonos em polvorosa, bananeiras gemem noite e dia em lenta agonia, a cadela negra decola, sobe e desce a escada repetidas vezes como um elevador louco disparado, sem cansar-se, pêndulos, marés, ponteiros, até o tempo voar pra trás, paz na minha cachola, novela, livro ou foto em preto e branco. Alternativa, ensolarada, quieta. Ouço ao longe os disparos e os sustos das festas regadas a música antiga e longínquo falatório. Não jogo as tranças.
A pé, escrevendo em blogs que ninguém lê, sem talento para relacionamentos, sozinha, trabalhando onde trabalho para sempre e nos fins de semana andando no calçadão até o cu fazer bico. E aí? Depois dos quarenta não tem mais história? Não quero a entorpecência dos drinques e das trepadas fáceis, os mesmos papos inúteis reclamando de homem, adivinhando pensamento de homem e antecipando a menopausa. Quero a alegria ou o silêncio. Livros, e paciência para suportar o desfile de dias gêmeos e enfileirados e chatos como soldadinhos na parada. Que inferno. Ouço fogos de artifício. O lugar onde moro é um subúrbio alegre, as ruas são feias, as fachadas não vêem pintura há anos, a calçada é emburacada e desigual, repleta de cadeirinhas com bêbados em cima e falsa alegria, mentes alteradas. Orelhão não funciona, lixo acumulado, tudo é ladeira. Vivo suando, bufando e carregando sacolas com comida. A grana é curta. Se tomo um chope, fico culpada. Se pego um táxi, fico culpada. Quero um volante, um guidón, uma manivela para reverter isso! Quero a depressão de volta. Penso em abolir meu remedinho. Quero ficar inconformada, insone, deprimida, chorando à toa, quero rebelar-me.
Desde menina tinha horror a isso: a maldição dos alegrinhos. Quero parecer desgostosa. Detesto os velhos desleixados e barrigudos que me paqueram. Detesto os homens jovens que me ignoram. Quero usar burca, dormir pelada, cortar pelanca com a faca, esfaquear-me.

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