Ah, que às vezes eu queria ser como vovó e ir logo envelhecendo. Cabelos azuis, salto alto, bandolim, vovó Adila envelheceu assim. Eu não. Acordo e levanto peso. Ando a pé e murcho a barriga. Como menos do que gostaria. Faço sacrifícios porque não podemos parar hoje em dia, temos que ser eternamente jovens em plena euforia.
Não tenho mais insônias porque agora durmo tarde. O resultado são horas sobrando na escuridão de um dia que já terminou. E vejo tevê, mau sinal. Desligo e escrevo. Sem reler. O dia morreu. Trata-se de um velório. Logo enterro na memória, e já amanhece outro. Ficarão lembranças salpicadas, recortes aleatórios. Somos mistura de sonhos sonhados com tudo que não fizemos, na argamassa da vida. As recordações me assaltam, os desencontros, os arrependimentos. Saudades do que não foi possível, do que não estava ao meu alcance, do que não me deu chance, do que não mereci, do que não batalhei bastante, do que me escapou entre os dedos, do que tive medo, daquele futuro que eu jurava que era meu, pois se esteve bem na minha frente e eu perdi de vista, futuros fugiram sem deixar pistas. As saudades me assaltam, de quem foi embora porque morreu, de quem larguei porque doeu, de quem quis tudo, menos eu. Dos livros que não publiquei, do romance que não batalhei, da criança que cresceu, de quem me quis mas não deu. Dos planos que não deram certo, do que não veio e passou perto, raspando, quase acerto. A vida passou e eu não vi. Continua passando e eu não morri. Vida, quero te ver. Olha eu aqui.
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